Tratamento

Tratamento

Nem todos os doentes a quem se faz o diagnóstico têm indicação para tratamento. Os doentes que não apresentam sintomas devem ficar apenas em vigilância periódica.
Pode-se dizer que não existe, de momento, cura para esta doença. Isto é, não será possível dar-lhe um tratamento que faça a doença desaparecer para sempre. Mas existem várias terapêuticas que permitem controlá-la. São tratamentos que, quando há boa resposta, fazem a doença regredir e ficar estável. Se tal acontecer, o doente poderá ficar bem durante algum tempo, que será variável consoante os casos.

O tipo de tratamento depende de vários factores, em que se salienta em primeiro lugar a idade do doente aquando do diagnóstico. Os doentes mais jovens e com bom estado geral poderão fazer terapêuticas mais agressivas, enquanto os doentes mais velhos e com outras doenças associadas (comorbilidades) necessitam apenas de fazer terapêuticas menos agressivas.

Felizmente, nos últimos tempos o tratamento desta doença progrediu muito, com o aparecimento de novos medicamentos e muitos poderão beneficiar desses avanços.

 

1 – Quimioterapia

A quimioterapia consiste na administração de medicamentos, chamados citostáticos, que têm capacidade para destruir as células malignas, neste caso os plasmócitos. Ao destruir os plasmócitos vão melhorar os sintomas da doença, como acontece com a anemia e as dores ósseas, mas ao mesmo tempo também se vai poder observar uma melhoria no valor das análises.

Existem vários tipos de tratamento, que são feitos por ciclos. Estes duram vários dias e, na sua maioria, podem ser feitos em ambulatório. O tipo de tratamento tem a ver com a idade do doente e com o facto de já ter ou não realizado outro tipo de terapêuticas anteriormente. Quase todos são repetidos ao fim de 3 ou 4 semanas. O número de ciclos nunca é fixo e depende da situação clínica concreta e da resposta ao tratamento.

De entre os medicamentos mais usados na quimioterapia oral salientamos o melfalan e a ciclofosfamida, associados ou não a corticoterapia. Estes últimos são habitualmente usados, em primeira linha, em doentes mais velhos (acima dos 65 anos) ou naqueles em que não está indicado o auto-transplante.. Nalguns destes doentes pode associar-se a estes outro medicamento, como a talidomida ou o bortezomib. Assim, nestes doentes as associções mais frequentes são: o MPT (melfalan, prednisona e talidomida) ou o MPV (melfalan, prednisona e bortezomib (Velcade).
Quando os efeitos secundários não são toleráveis utiliza-se o MP (melfalan e prednisona) ou o Lendex Baixa dose (lenalidomida mais dexametasona em baixa dose). Este tipo de trapêutica, quando necessário, pode ser administrado por períodos de 12 a 18 meses.
Efeitos secundários da Quimioterapia

São variáveis, de acordo com o tratamento. De um modo geral, pode dizer-se que a quimioterapia não afecta só as células malignas, mas também as saudáveis, em especial as de crescimento rápido. Isto aplica-se às células do sangue, pelo que pode surgir anemia, ou baixa dos glóbulos brancos ou das plaquetas. Aplica-se também aos cabelos, que podem cair (alopecia) de forma mais ou menos intensa consoante os medicamentos. Mas é uma queda sempre reversível, isto é, cerca de três meses após a suspensão dos tratamentos o cabelo vai apresentar já um crescimento visível.

Outros aspectos a ter em conta são os efeitos relacionados com o aparelho digestivo, em especial as náuseas, os vómitos e a perda de apetite. Para os primeiros existem medicamentos que os podem combater de forma eficaz.
Fale com o seu médico se depois do tratamento sentir alguns destes sintomas. Ele poderá substituir os anti-eméticos, isto é, os medicamentos para os vómitos, por outros mais fortes.

Quanto à falta de apetite, há alguns truques alimentares de que falaremos mais à frente.

 

2 – Radioterapia

O Mieloma Múltiplo é uma doença sensível à radioterapia, o que significa que as radiações têm a capacidade de destruir os plasmócitos malignos.
As indicações para fazer radioterapia são a necessidade de alívio da dor óssea localizada, que não cede a outras terapêuticas e o tratamento dos plasmocitomas solitários, quer estes tenham sido excisados cirurgicamente ou não.

É um tratamento ambulatório, com sessões de curta duração que duram um número de dias variável, de acordo com a dose total que se decidiu utilizar, a dosagem diária e a área a irradiar.

É uma terapêutica bem tolerada, mas nalguns casos os doentes poderão queixar-se de cansaço.

 

3 – Transplante de precursores hematopoiéticos

O transplante autólogo de células precursoras hematopoiéticas é uma terapêutica importante para muitos doentes, em especial para os doentes mais jovens.

Após o doente ter feito uma quimioterapia de curta duração, diferente em cada centro, e obtido uma boa resposta, pode optar-se por fazer um transplante autólogo de precursores hematopoiéticos. Vários estudos demonstram que este método permite obter um maior número de respostas completas, e durante um tempo mais prolongado, do que utilizando apenas quimioterapia.

O processo consiste na recolha de células precursoras hematopoiéticas do próprio doente, depois de estimulada a medula. O doente é sujeito a nova quimioterapia e recebe depois as suas próprias células.

Para este efeito, o doente necessita de estar internado, e em isolamento, por um espaço de tempo variável, mas que é normalmente de algumas semanas. Tem depois um período ambulatório de recuperação, podendo posteriormente retomar a actividade normal.
Alguns estudos apontam, para a vantagem de ser feita uma terapêutica de manutenção após o transplante, embora não haja concordância quanto à melhor terapêutica. A lenalidomida parece ser uma boa escolha uma vez que apresenta a possibilidade de aumentar o tempo livre de doença e possivelmente a sobrevivência global nos dooentes já transplantados.

 

4 – O tratamento dos ossos (Bifosfonatos)

A doença óssea é a principal manifestação da doença e é responsável pelas queixas que mais perturbam o doente e mais lhe alteram o ritmo de vida.

A forma de apresentação da doença óssea é variável de doente para doente e pode ir desde a osteoporose até lesões osteolíticas em vários ossos. Do mesmo modo é também variável a forma e a rapidez, com que evolui a doença óssea. Nos casos mais avançados, devido à grande fragilidade dos ossos, os movimentos bruscos ou os traumatismos mínimos, podem causar fracturas.

Para evitar a progressão da doença óssea devem fazer-se tratamentos periódicos com bifosfonatos. Os bifosfonatos inibem a reabsorção óssea suprimindo a actividade dos osteoclastos.
Há vários tipos de tratamentos, mas os mais divulgados são os administrados por via endovenosa, como o pamidronato e o zolandronato, que são feitos mensalmente. São muito bem tolerados e não provocam sintomas. Nalguns doentes, e durante algum tempo, podem também utilizar-se bifosfonatos por via oral (clodronato).

Os doentes a fazer bifosfonatos nunca devem fazer tratamentos dentários sem antes falarem com o seu médico. Se estes medicamentos não forem suspendidos previamente podem surgir complicações infecciosas no osso da mandíbula (osteonecrose).

 

5 – Novos Tratamentos

Nos últimos anos, o prognóstico dos doentes com Mieloma Múltiplo melhorou muito porque surgiram novos medicamentos. De um modo geral pode dizer-se que as novas terapêuticas levaram a um aumento do número de respostas completas e parciais e, consequentemente, da sobrevivência e da melhoria da qualidade de vida.

Falamos em primeiro lugar da talidomida. É um tipo de medicamento que impede o crescimento do tumor, sobretudo por ter efeito anti-angiogénico, isto é, por impedir que cresçam os vasos que vão alimentar o tumor. É também um modulador das citocinas, o que significa que altera os sinais entre as células, afectando os mecanismos que levam ao crescimento das células malignas que, como dissemos, são os plamócitos.
Tem indicação para ser utilizado em doentes em tratamemto de 1º linha, ou em doentes em recaída, ou que não responderam a outras terapêuticas.
Pode ser tomado isolado ou mais frequentemente é associado a outros citostáticos ou a corticóides. É administrado por via oral. Os comprimidos são de 50 mg e as doses variam de 50 a 200 mg/dia, consoante o tipo de terapêutica.
É possível controlar alguns dos seus efeitos indesejáveis. De entre os mais comuns salientam-se a obstipação e a sonolência. Deste último efeito pode tirar-se partido, fazendo a sua ingestão à hora de dormir e evitando tomar outros sedativos.
O principal efeito secundário que impede a sua utilização prolongada é a neuropatia periférica. Assim, se estiver a fazer este medicamento, e sentir formigueiros ou adormecimentos dos pés ou mãos, deve informar prontamente o seu médico.

Outro medicamento novo é o bortezomib, que é um “inibidor dos proteosomas”, ou seja, bloqueia um processo normal de destruição e reciclagem das proteinas dentro das células, que leva à morte destas. Mas isso apenas se passa com as células do mieloma e não com as células normais.
Pode ser associado a citostáticos e a corticóides. É administrado por via endovenosa, habitualmente na dose de 1,3 mg/m2, duas vezes por semana, duas semanas seguidas, seguido de uma pausa para descanso de 10 dias. É feito em regime de ambulatório em Hospital de Dia e a sua administração é rápida. Pode também ser associado a outras terapêuticas nos regimes de indução pré-transplante.
Em Portugal está aprovado para utilização no tratamento do Mieloma Múltiplo em progressão, em doentes que tenham recebido pelo menos uma terapêutica prévia e, em 1ª linha, associado ao melfalan e à prednisona, em doentes não elegíveis para transplante.
Tem como principais efeitos secundários o aparecimento da fadiga e a neuropatia periférica. Se tal acontecer deve ser feita uma adptação da dose. A neuropatia, quando é detectada precocemente e a terapêutica manejada de forma correcta, é reversível. No caso de sentir formigueiros nos membros não se esqueça de informar o seu médico.

Um dos derivados da talidomida é a lenalidomida. É mais potente e, tal como esta, inclui-se no grupo de agentes imunomoduladores (IMIDs), isto é, das drogas que têm capacidade para actuar no sistema imune. Fazem-no aumentando a actividade das células ligadas à imunidade. Têm também outras acções como a inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias pelos monócitos e a inibição do factor de crescimento do endotélio vascular (FCEV).
A lenalidomida está indicada para o tratamento de doentes com Mieloma Múltiplo que tenham recebido pelo menos um tratamento anterior. É administrada por via oral na dose de 25 mg/dia durante 21 dias, em ciclos de 28 dias. A associação com dexametasona em alta dose permitiu obter uma aumento das taxas de respostas e do tempo para a progressão. No entanto aumentou também o risco de incidência de tromboses, pelo que presentemente é mais frequente o uso de dexametasona em baixa dose, isto é, a sua administração semanal (40 mg). Esta dosagem associada à terapêutica profiláctica dos fenómenos trombo-embólicos, adaptada aos factores de risco (com ácido acetil-salicílico, anticoagulantes orais ou enoxaparina), resultou numa melhor sobrevivência ao fim de um ano e numa menor taxa de efeitos secundários. No entanto, se notar inchaço, vermelhidão ou dor da perna ou da coxa, ou dificuldade em respirar, deve imediatamente consultar o seu médico.
A lenalidomida tem também como efeito acessório a possibilidade de baixar os leucócitos e as plaquetas. Como se apresenta noutras dosagens mais baixas (5, 10 e 15 mg), o seu médico pode considerar adaptar a terapêutica face à situação do doente.

 

6 – Medicamentos em Desenvolvimento

Existem muitos medicamentos em desenvolvimento para esta doença. Tem sido apresentados estudos prometedores com medicamentos da 2ª e 3ª geração dos ImiDS como a pomalidamida, alguns inibidores dos proteosomas como o carfilzomib e alguns agentes alquilantes já conhecidos, como a Bendamustina, que podem ser usados em associação com os medicamentos já mencionados.
Na reunião Europeia de Hematologia deste ano foram apresentados resultados muito bons com carfilzomib associado à lenalidomida. Estes resultados fizeram com que a Food and Drug Administration aconselha-se uma aprovação rápida do carfilzomib para doentes com Mieloma Múltimo em recaída ou refractários.

Estão também a ser investigados outras novas terapêuticas, usadas sozinhas ou associadas à quimioterapia. O seu uso baseia-se na melhor compreensão da doença e dirigem-se a alvos específicos envolvidos nesta doença como FGFR3, inibidores da IL6 ou da proteina 90 heat shock, anticorpos monoclonais como o Daratumumab (Humax-CD 38), ou inibidores de pequenas moléculas como a perifosina. É contudo ainda cedo para tirar conclusões da sua administração nesta doença.

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